sexta-feira, novembro 20, 2009

I

Poeta do não lugar
Que se esconde na indefinição
Vivendo na incerteza
Usa as palavras na folha
Apenas como Deus
As nuvens no céu
Massas disformes
Feitas do nada
Da matéria das sombras
E dos medos
Coisas
Que vivem apenas
Para serem sensações
Provocarem efeitos
Sem nunca terem tido causa

II

Poeta da montanha mágica
Da maior de todas ao longe
E mais pequena ao perto
Aonde só vivem riscos
E pontos de interrogação
Sinais
Que apenas mancham as folhas
Como grãos de chuva
Mancham os telhados
Caem com tanta força
Que quando caem já nada são
Desaparecem
Sem deixar um único resquício
Sem nunca ninguém perguntar
Onde estão

sexta-feira, julho 24, 2009

Quando nasce uma criança
Nasce uma flor
Nasce um nome
Uma palavra de pernas para o ar

Quando sorri uma criança
Sorriem a limão os campos
Vêm as andorinhas voar baixinho
Vêm medir o nosso andar

Quando brinca uma criança
É um gatinho que gira, mordisca a sua cauda,
Roda como o peão da nossa infância
Como um relógio de corda
Que dá corda ao mundo

Quando chora uma criança
As nuvens fazem beicinho
As árvores mirram e as folhas tombam
Assim como as lágrimas do rosto menino
da criança

Quando parte uma criança
Acinzenta-se o céu e a natureza
A esperança torna-se areia
E o mundo um deserto
De tristeza

sexta-feira, junho 12, 2009

Não há louco sem delírio.
Não há utopia sem o sonho.
Não há razão sem a paixão.
Não há Dom Quixote sem Sancho Pança.
Não pode haver poetas sem poesia.
Não pode deixar de haver uma vida que não a queiramos viver.
Não haverá labirinto em que nós não nos queiramos perder.
Não haverá momento que não seja o nosso.
Não ficará vinho na mesa com amigos para o beber!

À tua!

Porvir

Bailam os sinos na torre do tempo.
Apertam as veias o mecânico coração.
Fabrica-se o homem e o momento –
Uma criança que nasce na palma da mão.

Entortam-se as linhas direitas do destino.
Tecem as moiras o ardiloso novelo,
Que fio a fio fica mais fino,
Mas ninguém consegue rompê-lo.

E já no rio memórias são águas,
Que calmas e agitadas se vão tornar
Quando a barca avernal sobre elas passar.

E assim, num incessante galgar de laudas,
Se folheiam todos os dias da vida
Para escutar a sentença há muito proferida.

sábado, abril 18, 2009

Breve Tratado do Silêncio

Eu, o sonho e o pesadelo, a utopia e o verdadeiro, ordeno silêncio em torno de mim.
Promulgo a lei que fará soar a paz.
E assim se cumpra a minha vontade:

Que se calem os benditos, os bem-aventurados e os felizes.
Que se calem os mestres, os sábios e os sabichões.
Que se calem os bem-sucedidos, os belos e os campeões.

Não quero ouvir um pensamento ou um conselho.
Mesmo que caia no poço do erro, a minha vontade é lá cair.
É errar. Ouviram…

Não quero saber das afirmações ou das certezas.
Mesmo que viva no reino da dúvida e da incerteza;
Mesmo que diga tolices ou mentiras -
Não há mal que daí nasça - é nelas que eu acredito.

Sim, eu sei que muito penso e nada faço.
Mas também nunca desejei fazer nada.
Sim, eu sei que sou o trapo que não se veste.
Mas também não sou peça de arrebique.
Sim, eu sei que não sou ninguém.
Mas quem é que disse que eu queria ser alguém?

Que falso pensarem que quero orientação.
Que não quero ser o que sou.
Que não quero estar aonde estou.
Sabem lá eles que o meu lugar é aonde eles não estão.
É à sombra da minha solidão.

E assim decreto a lei do não escutar.
E dou vivas aos incautos, aos ridículos, aos loucos e aos vagabundos.
Dou vivas aos solitários, aos que não são de companhia, aos que querem a sua própria companhia.
Dou vivas aos que se querem ouvir, aos que não querem escutar, aos que se querem rir, aos que se querem calar.

Dou uma pancada na mesa e termino a sessão.
E boto a baixo o licor
Que nasceu do silêncio e da solidão.


terça-feira, março 03, 2009

Um saco baloiça ao vento…
Parece cheio e pesado
Mas baloiça
Como se dançasse,
Como se fosse uma criança a brincar.
Mas não é uma criança,
É um saco que baloiça ao vento.
É só um saco.
Um saco pesado e cheio…
Eu admiro-o.
Admiro a plenitude das coisas,
A totalidade…
Está tão cheio que não posso com ele:
Quanto mais penso nele
Mais difícil é puxá-lo para mim.
Até uma criancinha podia com ele…
Mas eu não posso.
Não sou capaz de deixar de pensar nele.
Não sou capaz de deixar de pensar em como
Está cheio.
Cabe nele a medida do mundo,
Das estrelas e do sol.
Cabe nele o infinito, a vida,
O sonho.
Cabe nele a inocência de um sorriso
E a culpa de uma lágrima.
Cabe nele tanta coisa
Que só o vento pode fazer bailar
Um saco assim…

domingo, janeiro 18, 2009

Alentejo




Canta Alentejo canta
Molha a tua voz nas lágrimas do teu povo
Ergue bem alto o teu canto
Faz dele a bandeira
Que na onda do vento mostra o teu encanto

Canta Alentejo canta
Sussurra as tuas mágoas às estrelas
E as tuas alegrias ao luar
Para que ele desperte o amanhã
Que nasce com o teu cantar

Canta Alentejo canta
Rasga as planícies os vales os montes
O sorriso do teu triste país
Para que no acordar do dia
Cresçam os frutos da tua raiz

Canta Alentejo canta
Canta a revolta dos teus homens
Para que brote da terra a esperança
Que alimente o coração
Dos que não anseiam de ti uma lembrança

Canta Alentejo canta
Canta a desfolhada da tua alma
Na roda da fogueira dos meninos de outrora
Ouvem-se as antigas melodias
Entoadas pelos velhinhos de agora