quarta-feira, janeiro 23, 2008

terça-feira, janeiro 22, 2008

Quem me vê, quem sabe quem sou?
Sombra que se desenha nas ruas
Da cidade do fantasma que sou.
Ando à noite por paredes ocas
Sem me quedar em lugar de nenhum.
Ziguezagueio entre todas as vidas
Sem tocar em corpo algum.
Subo descidas, levito subidas
E salto em telhados de cristal.
Sou o ar e o uivo de vento
Que nasceu da fome do bem e do mal.
Sou a lágrima que jorrou,
Sou ruim sonho, vil pensamento.
Sou tudo o que sei que não sou!

Quem me vê, quem sabe quem sou?

sexta-feira, janeiro 04, 2008

“Tutus est in cute”

(“Interiormente e por baixo da pele”)

O pensamento morreu –
Matei-o eu.
Matei-o quando o passei para a folha.

Pouso a pena.
Pouso a pena em cima da folha,
Em cima do pensamento,
Em cima do poema…
Do bico da pena cai uma lágrima de tinta,
Pondo no ponto final uma virgula:
Como que a pedir-me para não acabar,
Para continuar,
Para não me entregar ao fim.

Mas insisto. E acabo com ele mesmo ali –
Com virgula e tudo
(Outro esperto, outro génio que o ressuscite
Se assim entender)!

Acabo de me rir sozinho.
Nem sei de que rio, mas rio.
Talvez da minha presunção de escritor;
Escrevo umas linhas, uns versos, umas imagens
E auto-intitulo-me de arrumador de palavras,
De escritor, portanto.
Eu? Logo eu que sou um artista!

Acendo um cigarro,
Sugo-lhe o fumo e respiro-o,
Como se não precisasse de oxigénio
Para absolutamente nada;
Como se não precisasse da vida
Para absolutamente nada.
Vejo o cigarro esfumar-se,
Apercebendo-me que a minha vida se esfuma também:
Alguém a acendeu,
Subtraiu-lhe o fumo
E deixou a maldita beata.
Deixou-a
Sem sequer a amarrotar no cinzeiro,
Que é onde todas as beatas devem estar –
No cinzeiro.
(Tão fora do cosmos que eu estou!)

Um daqueles dias que passam –
Sem eu ter, realmente,
Passado por ele:
Hoje, passei por mim.
Passei por mim; cruzei-me comigo
E nem me falei.
Passeava, deambulava pela cidade.
Enamorado, feliz:
Assim estava eu.
Esbocei um esgar de escárnio
Quando olhei para mim.
Julguei-me feliz…
Virei-me costas e continuei a andar,
Até me ter perdido de vista.
Não me queria ver assim:
Feliz, conformado, sábio,
Estúpido.

Esmurro a mesa.
A mesa de pinho que,
Entretanto, me atira para o soalho
A folha com a minha criação;
A folha que cai levemente,
Como se de uma árvore caísse,
Sabendo que está morta, cansada, estéril,
Sem nada para dar ao mundo,
Sem sabedoria alguma para ensinar,
Sem vida.

Caio em mim, repentinamente.
Deixo a cadeira bater com os cascos no soalho.
Assento os pés no chão.
Esbofeteio a má disposição,
Sopro na vela da metafísica e apago-a…
E, como se fosse cravar a eternidade,
Cravo na folha uma assinatura de mim:
Escrevo sob a última palavra o meu nome –
Álvaro Reis.
(E capricho no S para que todos saibam
Que não foi um Reis, foi o Reisssss.)

Debaixo da portada da janela,
Sorri-me um raio de sol –
São horas de dar vida à minha própria vida.
Vou à bacia, e a água que vejo é a de ontem.
Abulicamente obstinado não busco a água de hoje.
Lavo o rosto com a água de ontem.
(Hoje vejo que sempre fiz do ontem o hoje,
Que sempre fiz do passado o presente,
Que sempre fiz com que o futuro nunca se fizesse.)

Empunho a minha lâmina
Como Quixote empunha a sua espada.
E acredito… Sim, eu acredito.
Acredito que desfaço o que me faz de velho
E pareço novo.
Mas quando aclaro o espelho,
Com a minha mão molhada,
E me olho nos olhos,
Vejo que o que é velho,
Não é o que está fora de mim,
É o que está dentro de mim.

Resigno-me, encolho os ombros,
E busco as calças e a camisa
Que a filha da minha lavadeira engomou.
Salto cautelosamente para dentro dos meus
Sapatos pretos.

Procuro a minha pasta preta,
Freneticamente.
Como se andasse à procura de mim,
Mas soubesse desde sempre
Que nunca me ia encontrar ali.
Mas procurava…
Procurava porque sei,
Que apesar de não me ver,
Eu estou ali:
No vazio, no vago,
Na falta de uma coisa que realmente é.

Aos pés da cama está a pasta preta –
Não a vi, não me vi.
Peguei no cinzento guarda-sol;
Pontapeei o vácuo e o infinito,
E saí…
Bati com a porta
E fui à procura de mim…