sábado, novembro 01, 2008

O meu Romance

Quero escrever um romance;
E ser eu todas as personagens.
Quero ser o tempo, o espaço, o suspense;
E ser o leitmotiv de todas as passagens.

Quero ser um hábil prosador.
O moinho que roda a acção.
Quero ter uma pena de condor
Para esboçar o herói e desenhar o vilão.

Quero salivar o ódio do enredo,
E respirar o amor da trama.
Quero fechar o livro em segredo
E tocar o infinito na minha cama.

terça-feira, setembro 02, 2008



Tempos houve que o quiseram afundar.
Puseram-lhe a âncora e as amarras,
E mandaram-no para o fundo do mar.

Porque não queriam que olhasse o céu,
Acorrentaram-lhe à carne as pedras
Que o imergiram no mar e no seu véu.

Mas eles não sabem que o corpo ao morrer
Levanta o espírito à altura das estrelas,
E transforma a alma num Ser.

sexta-feira, julho 25, 2008

Uma Bica

Sentei-me à porta de um café do Rossio,
Numa tarde soalheira de primavera;
Numa daquelas tardes que passam
Sem se dar conta que passam.

O sol caía sobre as mesas de vidro.
Mas o vento assobiava
E esgueirava-se pelas ruas,
Vinha desaguar à praça.
As pessoas dobravam-se
Pela força da corrente do próprio vento,
Quase que se ajoelhavam
Perante o petrificado Pedro.

O olhar do sol era intenso,
O grito do vento era barulhento,
Mas o empregado ouviu o pedido –
Era uma bica, nem cheia, nem curta,
Nem escaldada, nem fria.
Era uma bica assim – assim –
E lá veio a bica.
Não tinha nata mas tomei-a de um trago só,
Porque é assim que bebo tudo:
Um trago só.
(Nunca penso no que as coisas são,
Somente penso no que elas foram…)

Mas a bica não tinha nata,
E uma bica sem nata,
É um absinto sem álcool,
Quando se bebe não nos fica a estrelar
O céu-da-boca.

Acenei ao empregado para lhe dizer
Que a bica não tinha nata.
Mas quando ele chegou não disse,
Não quis embaraçar quem tirou
Uma bica sem nata.
Porque um café que se preze
Tira uma bica com nata.
Mas ao pensar neste dogma
Enchi o peito
Da mais inquebrável ousadia,
E acenei ao empregado para lhe dizer
Que a bica não tinha nata.

Veio o empregado mas também veio um amigo.
Pedi ao empregado:
Uma cadeira para este amigo, por favor.
Qualquer palavra que se troque com um amigo
Faz esquecer qualquer bica sem nata.

Estica-me, este amigo, três dedos
Para me dar um aperto de mão.
E não me olha nos olhos.
Diz-me que está com pressa,
Que tem que ir.
Tão depressa lhe dei as boas-vindas
Como as boas-idas…
Não lhe disse,
Mas não gosto que não me apertem a mão.
Ora um aperto de mão,
É um aperto de mão.
A força de um aperto de mão é igual
À soma do respeito mais a afeição.
Eu apertei-lhe a mão.

Enfim, resfriou a tarde com o passar da hora.
Acenei ao empregado
Para lhe pedir a conta e um lápis.
Paguei mas deixei um escrito:

Não gosto de uma bica sem nata.

quarta-feira, julho 09, 2008

"Ecce Homo"



Fecho a porta
A mim mesmo.
A natureza morta
Planto-a no meu leito,
Assim em segredo,
Para que esconda cá dentro o medo
De saber que o que recuso e aceito:
É o cessante germinar de um coração
Imperfeito!

(Já sinto os ossos a quebrarem
E os nervos a secarem.)
Abandono então as ruínas do meu ser
E vejo a minha carne apodrecer.

E eis-me aqui nu e cru,
No mais puro estado natural
Que já findou.
Mas sabedor, agora,
Que a pobre doente planta que murchou
Era, afinal, a mais sã e dura raiz
Que Deus na terra plantou.

segunda-feira, junho 30, 2008

Amanhecer



Quando as badaladas

Do relógio dourado soam,

Também soam por ti.

Gritam o teu nome bem alto

Para que acordes com um sorriso

E te levantes com um salto.

segunda-feira, junho 16, 2008

Imperfeição

Vem agora à margem da lagoa
Ver na água o céu pintado.
Põe o teu corpo sobre a folha
E vê o teu rosto desenhado.

Vê como o céu te espelha,
Se acaso quiseres encontrar
Em cada letra uma estrela;
E em cada cometa um olhar.

A meia-lua sê tu inteiro.
Sê a palavra e a imagem,
A utopia, o verdadeiro.

Sê toda esta ideal paisagem.
Faz de ti o meu fiel companheiro
E anda comigo nesta viagem.

quinta-feira, junho 05, 2008

Isto

Não sou mais coisa que qualquer coisa,
Mas sou a coisa mais coisa que conheço
Pois a coisa que conheço não é coisa –
É uma ideia de uma coisa.

A coisa que sou é um conceito.
E assim digo, sem saber nada,
Que sou um conceito sem conceito;
Um termo sem termo;
Uma palavra sem palavra;
Um pensamento sem pensar;
Uma sensação sem sentir;
Uma vida sem viver

Um ser sem Ser!

domingo, maio 25, 2008

O meu amigo Jack Raven


(riahills.blogspot.com)

O Jack Raven é muito meu amigo.
Jack Raven conheceu-me há seis luas atrás,
Mas Jack Raven foi sempre meu amigo,
Ainda o mundo não existia e já o Jack Raven dizia que era
O meu melhor amigo!
(Aliás, eu mesmo não sei quem seria
Se não fossem os seus sábios conselhos;
Se a sabedoria tivesse um rosto
Esse rosto só poderia ser o de Jack Raven.)
O Jack Raven jamais me deixaria ficar mal
Em qualquer disputa ou em qualquer lado.
Porque Jack Raven não é de um lado,
É de todos os lados.
O meu amigo Jack Raven é médico,
Psicólogo, psiquiatra, terapeuta, enfermeiro,
Bombeiro, advogado, politico, piloto de automóveis,
Piloto de aviões, professor e cozinheiro...
O meu amigo Jack Raven nunca me cobrou dinheiro
Para me analisar.
O meu amigo Jack Raven só queria
Algumas gotas da minha poesia.
O Jack Raven e eu
Fomos devotos de todas as festas:
Jack Raven enchia os copos
E eu bebia;
Jack Raven trazia fumos
E eu inalava;
Jack Raven jogava damas
E eu aprendia.
Jack Raven sabia da minha inspiração
E eu o escutava
O meu amigo Jack Raven levou-me ao cais
Da minha vida,
Acenou-me quando eu,
Na barca,
Dele me despedia.
O meu amigo Jack Raven comprou comigo
O meu sonho de ser livre um dia!

sexta-feira, maio 09, 2008

A missa

Abate-se sobre a igreja o meu sorriso
Três raios de sol
Que embatem mesmo na sombra da porta.
Da sombra do vulto o meu reflexo
Dois cometas
Que abrilham os olhos de um pobre ancião.
O fumo do cigarro de um homem é o nevoeiro
Cortado pelo meu olhar vindouro

E esta nuvem de cores levita até ao vitral,
Encolheu-se multiplicou-se para passar
E agora são infinitas gotinhas cada uma com sua cor
Que se precipitam sobre os fiéis.

E cada um canta
Cantam com a minha voz
Olham com os meus olhos
Sorriem com o meu sorriso
Oram com a minha fé
Sentem com o meu coração.

Eis que uma menina pula para o altar
Traz com ela uma coroa
Uma coroa de princesa ela a menina
Que já morde a bolachinha que o padre lhe dera...

Na minha face toca o padre
E agora o padre sou eu
Benzo-me salpico-me
De água benta,
Gotinhas que ora se espalham em mim
Ora humedecem todos os santos e o menino Jesus.
E eu sou todos os santos e o menino Jesus
E o padre os fiéis o altar
Os bancos a igreja o sino
As badaladas,
Que quando soam logo caiem
Inanimadas sobre a calçada sobre o lago de lágrimas
Das nuvens,
E todas elas são o meu rosto
Reflectido no lago.

Mas tudo isto treme
Pela turbulência de uma buzina de automóvel
Que a grande velocidade vem lá,
Passa e molha-me a bengala
A parede o estrado de madeira a sombra o vulto
O cigarro as calças,
Enfurecido grito: Abrandar.

Mas eu não abrando não paro
Conduzo como quiser o automóvel...

segunda-feira, abril 21, 2008

Super-Homem




Não tenho uma capa.
Voar também não consigo.
Do mundo conheço o mapa,
Da vida não sei o que digo.

Nada faço que todos não façam,
Nunca faço ideia do que sou.
Nada sei que todos não saibam,
Nunca sei se devo estar aonde estou

Não sou dono de coisa alguma.
Tenho buracos em todas as malhas.
Nada bebo que não seja espuma;
Nada como que não sejam migalhas.

Não tenho nenhum relevo.
Não causo inveja a ninguém.
Não tenho qualquer enlevo,
E nem sei se sou alguém.

Mas quando escrevo
Sou infinito e omnisciente,
Estou em todo lado,
E sou toda a gente...

quinta-feira, março 27, 2008

"Dubito Ergo Sum"

Olho-me no espelho e vejo-me poeta.
E então sinto que sei tudo,
Sinto que sei o que sou,
Sinto que sou um poeta.
Mas quando saio à rua – a realidade abate-se sobre mim –
E percebo que as certezas, que tenho do que sou,
São nenhumas.
Sou um homem entre muitos homens.

Procuro respostas no agitar das árvores,
No chão que piso,
No rosto das meninas que toco,
No sorriso dos velhos a quem cumprimento,
No céu que anseio almejar,
Na vida que me ensurdece,
No espectáculo do mundo que me cega e entorpece.

Tento encontrar-me.
Tento encontrar-me nas rugas de um velho edifício;
Tento, por tudo, encontrar reflexos de mim nas ondas
Que me desgastam como um solitário rochedo.
Procuro escutar ecos da voz que tive
No uivo do vento, que me descobre o rosto
Que não possuo.
Anseio por encontrar resquícios das lágrimas
Que jorrei na calçada molhada da chuva.

Investigo-me na vida,
Sabendo, no entanto, que só encontrarei o que sou
Na morte.

Perco-me nos leitos do pensamento,
Escondendo-me o mais que posso da minha realidade.
E é, então, que cansado me vergo,
E me contento com as coisas,
Que se tornam coisas diante dos meus olhos.
Vejo e não intervenho.

Tento pôr-me de fora mas sou arrastado para dentro;
Através da gargalhada de uma criança
E do riso sincero de um avô.
Tento ser indiferente aos cisnes do lago
Mas não deixo de ouvir o seu chapinhar.
Tento não sentir um abraço de uma avó ao neto
Mas sinto.
Tento não arrastar o olhar para a similitude de dois irmãos
Mas arrasto.
Tento não invejar o beijo encerrado de dois namorados
Mas invejo.
Tento não tactear a realidade do banco que me suporta
Mas não resisto.
Tento não sentir a sempre ingénua suavidade da relva aparadinha na palma da minha mão
Mas não ouso não sentir.
Tento não me encantar pela cor do céu
Mas dou-me completamente.
Tento fugir de tudo isto
Mas não consigo deixar de querer viver tudo isto.

Procuro-me prostrado perante a circularidade do mundo,
Mas não sei se é aí que estou.
Forço a minha mão a não escrever sobre o que serei,
Pois o que sou está no andar
Deste carrossel momentâneo da vida.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008




Fada do Coração

Do Monte Verde, do seu cume,
Ouve-se o rugir dos tambores;
Saem de lá, do clarão do lume,
Notas e gemidos de vozes tribais,
Vêm embriagados, loucos e às cores
Desenhar cabeças, braços e patas
Na água da Baía das Gatas.

São Deuses, homens e animais,
Que criam e moldam o teu corpo.
Quando danças, são deles os sinais
Que, embriagados, loucos e às cores,
Saltam do teu dançar ardente e tropo.
E vais abaixo, e a cima vais voltar,
Serpenteando o meu sorriso e olhar.

Na areia branca de S. Vicente,
Foi colhida a doce flor do teu nome,
E plantada no coração demente
Destes olhos embriagados, loucos e às cores,
Que, inquietos e sedentos de fome,
Procuram a tua pele bronzeada,
Os teus cabelos e olhos de fada.

Eis que me avistas perdido no mar
Da minha infinita paixão.
Lanças-me algo para me agarrar:
Sonhos embriagados, loucos e às cores.
E me dás, sorrindo, a tua mão
Para que possamos os dois ser
Uma estrela que nunca se vai perder.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

terça-feira, janeiro 22, 2008

Quem me vê, quem sabe quem sou?
Sombra que se desenha nas ruas
Da cidade do fantasma que sou.
Ando à noite por paredes ocas
Sem me quedar em lugar de nenhum.
Ziguezagueio entre todas as vidas
Sem tocar em corpo algum.
Subo descidas, levito subidas
E salto em telhados de cristal.
Sou o ar e o uivo de vento
Que nasceu da fome do bem e do mal.
Sou a lágrima que jorrou,
Sou ruim sonho, vil pensamento.
Sou tudo o que sei que não sou!

Quem me vê, quem sabe quem sou?

sexta-feira, janeiro 04, 2008

“Tutus est in cute”

(“Interiormente e por baixo da pele”)

O pensamento morreu –
Matei-o eu.
Matei-o quando o passei para a folha.

Pouso a pena.
Pouso a pena em cima da folha,
Em cima do pensamento,
Em cima do poema…
Do bico da pena cai uma lágrima de tinta,
Pondo no ponto final uma virgula:
Como que a pedir-me para não acabar,
Para continuar,
Para não me entregar ao fim.

Mas insisto. E acabo com ele mesmo ali –
Com virgula e tudo
(Outro esperto, outro génio que o ressuscite
Se assim entender)!

Acabo de me rir sozinho.
Nem sei de que rio, mas rio.
Talvez da minha presunção de escritor;
Escrevo umas linhas, uns versos, umas imagens
E auto-intitulo-me de arrumador de palavras,
De escritor, portanto.
Eu? Logo eu que sou um artista!

Acendo um cigarro,
Sugo-lhe o fumo e respiro-o,
Como se não precisasse de oxigénio
Para absolutamente nada;
Como se não precisasse da vida
Para absolutamente nada.
Vejo o cigarro esfumar-se,
Apercebendo-me que a minha vida se esfuma também:
Alguém a acendeu,
Subtraiu-lhe o fumo
E deixou a maldita beata.
Deixou-a
Sem sequer a amarrotar no cinzeiro,
Que é onde todas as beatas devem estar –
No cinzeiro.
(Tão fora do cosmos que eu estou!)

Um daqueles dias que passam –
Sem eu ter, realmente,
Passado por ele:
Hoje, passei por mim.
Passei por mim; cruzei-me comigo
E nem me falei.
Passeava, deambulava pela cidade.
Enamorado, feliz:
Assim estava eu.
Esbocei um esgar de escárnio
Quando olhei para mim.
Julguei-me feliz…
Virei-me costas e continuei a andar,
Até me ter perdido de vista.
Não me queria ver assim:
Feliz, conformado, sábio,
Estúpido.

Esmurro a mesa.
A mesa de pinho que,
Entretanto, me atira para o soalho
A folha com a minha criação;
A folha que cai levemente,
Como se de uma árvore caísse,
Sabendo que está morta, cansada, estéril,
Sem nada para dar ao mundo,
Sem sabedoria alguma para ensinar,
Sem vida.

Caio em mim, repentinamente.
Deixo a cadeira bater com os cascos no soalho.
Assento os pés no chão.
Esbofeteio a má disposição,
Sopro na vela da metafísica e apago-a…
E, como se fosse cravar a eternidade,
Cravo na folha uma assinatura de mim:
Escrevo sob a última palavra o meu nome –
Álvaro Reis.
(E capricho no S para que todos saibam
Que não foi um Reis, foi o Reisssss.)

Debaixo da portada da janela,
Sorri-me um raio de sol –
São horas de dar vida à minha própria vida.
Vou à bacia, e a água que vejo é a de ontem.
Abulicamente obstinado não busco a água de hoje.
Lavo o rosto com a água de ontem.
(Hoje vejo que sempre fiz do ontem o hoje,
Que sempre fiz do passado o presente,
Que sempre fiz com que o futuro nunca se fizesse.)

Empunho a minha lâmina
Como Quixote empunha a sua espada.
E acredito… Sim, eu acredito.
Acredito que desfaço o que me faz de velho
E pareço novo.
Mas quando aclaro o espelho,
Com a minha mão molhada,
E me olho nos olhos,
Vejo que o que é velho,
Não é o que está fora de mim,
É o que está dentro de mim.

Resigno-me, encolho os ombros,
E busco as calças e a camisa
Que a filha da minha lavadeira engomou.
Salto cautelosamente para dentro dos meus
Sapatos pretos.

Procuro a minha pasta preta,
Freneticamente.
Como se andasse à procura de mim,
Mas soubesse desde sempre
Que nunca me ia encontrar ali.
Mas procurava…
Procurava porque sei,
Que apesar de não me ver,
Eu estou ali:
No vazio, no vago,
Na falta de uma coisa que realmente é.

Aos pés da cama está a pasta preta –
Não a vi, não me vi.
Peguei no cinzento guarda-sol;
Pontapeei o vácuo e o infinito,
E saí…
Bati com a porta
E fui à procura de mim…